Outro dia fui ver este novo filme dos Normais, baseado no antigo seriado. Além da boa atuação dos atores que ganharam os corações da classe média brasileira, a temática do filme não podia ser outra. Todo o enredo se passa em torno da tentativa do casal, noivo há 13 anos, salvar o relacionamento. A aposta da noiva é buscar um menage. O primeiro ponto interessante é que apesar de traições e rotinas a necessidade de se ter uma pessoa como ponto de referência ainda é presente, o que provavelmente reflete drama de boa parte de nós e não por acaso foi escolhido pelos diretores como tema de humor.
O SEgundo ponto é a reprodução dos padrões vigentes da dominação masculina, pois é a mulher a protagonista que vai buscar uma terceira pessoa, outra mulher, para ver se apimenta a relação. NO fundo o amor, que sempre é lindo, prevalece, e a dominação, nem tão linda, mas quase nunca evidente em sua feiúra, também. Afinal, se não fosse assim não seríamos normais...
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE
Estou cada vez mais convencido do poder que o cinema tem de tematizar conflitos pessoais e coletivos. O clássico "Giant" (em português, "Assim caminha a humanidade") de George Stevens, 1956, baseado no romance de Edna Ferber, é uma belíssima interpretação de como o capitalismo entra no Texas. Como o mundo moderno vence paulatinamente o mundo rural. Como Gilberto Freyre descreveu em seu Sobrados e Mucambos, referente ao Brasil, o estilo de vida moderno vai aos poucos fazendo sucumbir o potentado rural, em termos sociais e econômicos.
O filme gira em torno de uma família fazendeira tradicional, que por azar doa a um funcionário um pedaço de terra que tem petróleo. Este enriquece rápido e vira o algoz dos antigos patrões. O filme retrata em detalhes a ascensão do novo poder do petróleo em detrimento do poder anterior da fazenda de gado, bem como as ambiguidades e infelicidades de ambos os lados, o do ralé que ascende e o do decadente que não perde a pose. Como a belíssima narrativa de Freyre sobre o Brasil, na qual o Estado entra na casa do senhor rural e rouba seus filhos colocando-os contra os valores do mundo rural, enquanto portadores dos valores individualistas e do conhecimento moderno, o filme retrata também o drama do fazendeiro que perde seus filhos para o novo mundo. Seu filho vira médico ao invés de assumir a fazenda e a filha cai nos braços do novo rival, seduzida pelo mundo que ele incorpora e simboliza.
Um filme indispensável para quem ama a arte e o pensamento crítico.
sexta-feira, 31 de julho de 2009
CARLITO´S WAY
O excelente "Carlito´s Way" (O pagamento final), de Brian de Palma (Universal, 1993) é uma boa oportunidade para se pensar na realidade dos indivíduos modernos. Criativo, é mais um filme de gângster onde todos morrem no final. Na mesma linha de Scarface, com o mesmo diretor e mesmo ator central (Al Pacino) trata-se de um triller quase comum, com traições, amores, amizades, etc. A singularidade está na história, na qual Carlito (Pacino), após sair da prisão por bom comportamento, na qual entrou por ser um dos maiores traficantes de heroína de Nova York (sempre ela), tenta levar uma vida honesta, lutando contra seus impulsos anteriores.
A boa atuação do ganhador do Oscar, que já apresenta o início de um personagem caricatural que ele incorporou e desde então nunca mais largou, acompanhada pelo excelente Sean Penn, o advogado e amigo que o tirou da prisão, já valem o filme. Palma, como sempre, ainda que seja um grande diretor, dá umas apeladas no final, do tipo por uns vinte minutos de perseguição daquelas bem batidas, o que dá uma estragada no filme. A conflituosa relação com o advogado parece ser para competir com o excelente "Cabo do Medo", de Scorcese, com grande atuação de DeNiro, da mesma época, onde este é um advogado que sai da prisão para se vingar de um cliente. Pra completar, Palma tenta fazer uma cena sensacional numa escada rolante, ao modo daquela que ficou famosa no seu "Os Intocáveis", dos anos 80, ficando tão apelativa quanto a primeira...
Por fim, nosso herói não consegue vencer os instintos, e seu fim é previsível, como o de todo bom filme feito para vender. Depois de assistir inúmeros filmes do gênero, fiquei pensando no porque fazem tanto sucesso. Parece haver algo mais do que banalização da violência, etc.
Tais filmes reproduzem, caricaturando o lado obscuro de nossa cultura ocidental, o da violência, a forma como vivemos e pensamos a sociedade ocidental. Os gângsters e policiais precisam ser frios e calculistas para vencer. Como nós no mercado moderno. Vencem os que tem melhores atuações individuais, os que ponderam cada detalhe. Em tais ficções, todo gângster sabe que precisa eliminar todos os seus inimigos. Adoramos ver Pacino ou De Niro matar seus inimigos. Nada parece mais instigante aos nossos instintos competitivos, sublimados na modernidade civilizada, sendo em sua fase atual o mercado altamente competitivo seu principal espaço de sublimação. Se pudéssemos articular a raiva que sentimos de nossos concorrentes no mercado, não acharíamos tão sensacional e ao mesmo tempo apavorante os finais dos filmes de gângsters. Eu queria ver algum grande diretor fazer um filme de gângster sem mortes. Se existe, não sei.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
A NOVELA JACKSON
A novela midiática em torno da morte de Michael Jackson exprime bem o que a lógica da fama faz com a individualidade moderna. Quanto mais famoso, mais destruído. O narcisismo moderno, problema de todos nós (quem nunca se perguntou se não estava sendo narcísico em alguma ocasião?) é maximizado de acordo com a quantidade de flashs e câmeras. Está agora acessível em pequena medida, pela tecnologia, a todos, como nos orkuts da vida. Podemos ser observados. Mas também nos perder de uma vida comum, cotidiana, imposta pela mesma lógica ocidental da individualidade e da fama. Lados da mesma moeda. Michael se perdeu. Ainda em vida. Foi do céu ao inferno muito rápido. Infância negra e pobre roubada pela fama branca e rica. Todas as sociedades sobre as quais se tem registro ritualizaram de algum modo a morte. A ocidental moderna não é diferente, sensacionalizando a morte em proporção da fama em vida. A mesma proporção que a fama tira em vida da possibilidade de uma vida comum, simples e necessária.
segunda-feira, 1 de junho de 2009
PROSTITUIÇÃO É FANTÁSTICO
Ontem foi transmitida uma matéria no Fantástico da rede Globo sobre prostituição e venda de meninas pelas mães em Belém do Pará. Como toda matéria deste tipo, nunca se identificam as causas sociais do problema e sempre se culpa a vítima por sua desgraça. Focalizaram uma senhora que se contradizia quando sabia e quando nao sabia que estava sendo filmada. A matéria sempre ridiculariza as pessoas por suas supostas escolhas. Nunca se vê o desespero de uma população extremamente pobre que se naturaliza pela lógica de reprodução do capitalismo periférico e pelos acordos morais do mérito e da qualificação que funcionam e se atualizam atrelados a tal lógica. No final, é tudo culpa de uma mãe canalha e escrota que vende a filha por quinhentos reais. Sem contar que não mostra a suposta escolha das próprias meninas, que no desespero da fome saem de seu Estado por que sabem que poderão se vender um pouco mais caro em outro lugar. Enquanto continuarmos achando que tudo é uma questão de escolha individual, sem observar as condições objetivas que definem em grande parte o caminho da vida de uma pessoa, não enfrentaremos moralmente ou com políticas sociais as verdadeiras causas do problema. Sem contar que num ambiente de baixo aprendizado moral como o da brasilidade a prostituição é algo velado em todas as frações de classe e apenas explícito em certas frações da ralé. Nunca é escândalo midiático quando uma grande socialyte se casa e descasa várias vezes, não por acaso sempre lindas e sempre com grandes empresários. Aí o interesse em jogo é sempre o amor...
terça-feira, 19 de maio de 2009
CRÍTICA DA BRASILIDADE
Ter um blog pessoal é bom por que a gente pode quebrar totalmente o protocolo. Eu me declaro um inimigo público número um da brasilidade. Venho me debruçando sobre sua análise nos últimos anos, como em alguns textos postados aqui e em meu livro “O Brasil-nação como ideologia” (SP: Annablume, 2007). Estou em Belém do Pará agora. Vendo como as diferenças mitológicas e empíricas regionais são apenas variações da brasilidade, para esconder sua unicidade, em tempos de valorização das diferenças e culturas locais.
Passando pela famosa feira do Ver-o-Peso, presenciei uma contradição tristemente cômica. Havia uma manifestação pública, de instituições e com a presença da classe média, contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, que massivamente é sofrido pela ralé. Foi distribuído um panfleto muito bem feito explicando o que é o abuso, ilustrações (altamente erotizadas) simulando circunstâncias bem reais do cotidiano. Ao mesmo tempo, ocorria uma apresentação, em um palco enorme na rua da panfletagem, de jovens e lindas morenas dançando com shortinhos bem curtos, ao som de um axé cuja parte da letra era “mexe, mexe, menina”.
Triste piada da brasilidade. A boa intenção de informar a população, que tem meu total apoio, esbarra na prática do habitus brasileiro. O aprendizado mais forte é aquele que não vemos. Naquele momento, enquanto as cabeças (de cima, e a maioria naturalmente das mulheres) refletiam sobre as informações, os corpos (principalmente masculinos, pois havia vários assistindo sem piscar a apresentação) aprendiam exatamente o contrário. O aprendizado político sucumbe à cabeça de baixo. A única forma de enfrentar esta força da brasilidade é explicitando sua pseudo-inocência. Não duvidamos geralmente dela. Nos julgamos um povo inocente. E em certo sentido é verdade, pois não somos treinados para pensar nisso. Está na hora de começar.
Passando pela famosa feira do Ver-o-Peso, presenciei uma contradição tristemente cômica. Havia uma manifestação pública, de instituições e com a presença da classe média, contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, que massivamente é sofrido pela ralé. Foi distribuído um panfleto muito bem feito explicando o que é o abuso, ilustrações (altamente erotizadas) simulando circunstâncias bem reais do cotidiano. Ao mesmo tempo, ocorria uma apresentação, em um palco enorme na rua da panfletagem, de jovens e lindas morenas dançando com shortinhos bem curtos, ao som de um axé cuja parte da letra era “mexe, mexe, menina”.
Triste piada da brasilidade. A boa intenção de informar a população, que tem meu total apoio, esbarra na prática do habitus brasileiro. O aprendizado mais forte é aquele que não vemos. Naquele momento, enquanto as cabeças (de cima, e a maioria naturalmente das mulheres) refletiam sobre as informações, os corpos (principalmente masculinos, pois havia vários assistindo sem piscar a apresentação) aprendiam exatamente o contrário. O aprendizado político sucumbe à cabeça de baixo. A única forma de enfrentar esta força da brasilidade é explicitando sua pseudo-inocência. Não duvidamos geralmente dela. Nos julgamos um povo inocente. E em certo sentido é verdade, pois não somos treinados para pensar nisso. Está na hora de começar.
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