terça-feira, 19 de maio de 2009

CRÍTICA DA BRASILIDADE

Ter um blog pessoal é bom por que a gente pode quebrar totalmente o protocolo. Eu me declaro um inimigo público número um da brasilidade. Venho me debruçando sobre sua análise nos últimos anos, como em alguns textos postados aqui e em meu livro “O Brasil-nação como ideologia” (SP: Annablume, 2007). Estou em Belém do Pará agora. Vendo como as diferenças mitológicas e empíricas regionais são apenas variações da brasilidade, para esconder sua unicidade, em tempos de valorização das diferenças e culturas locais.
Passando pela famosa feira do Ver-o-Peso, presenciei uma contradição tristemente cômica. Havia uma manifestação pública, de instituições e com a presença da classe média, contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, que massivamente é sofrido pela ralé. Foi distribuído um panfleto muito bem feito explicando o que é o abuso, ilustrações (altamente erotizadas) simulando circunstâncias bem reais do cotidiano. Ao mesmo tempo, ocorria uma apresentação, em um palco enorme na rua da panfletagem, de jovens e lindas morenas dançando com shortinhos bem curtos, ao som de um axé cuja parte da letra era “mexe, mexe, menina”.
Triste piada da brasilidade. A boa intenção de informar a população, que tem meu total apoio, esbarra na prática do habitus brasileiro. O aprendizado mais forte é aquele que não vemos. Naquele momento, enquanto as cabeças (de cima, e a maioria naturalmente das mulheres) refletiam sobre as informações, os corpos (principalmente masculinos, pois havia vários assistindo sem piscar a apresentação) aprendiam exatamente o contrário. O aprendizado político sucumbe à cabeça de baixo. A única forma de enfrentar esta força da brasilidade é explicitando sua pseudo-inocência. Não duvidamos geralmente dela. Nos julgamos um povo inocente. E em certo sentido é verdade, pois não somos treinados para pensar nisso. Está na hora de começar.

5 comentários:

  1. Bacana Fabrício! Vou acompanhar as reflexões aqui também, embora que eu esteja mais lascado do que nunca...

    Por fim acho obrigatório que este espaço esteja linkado no outros campos.

    Abçs!

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  2. Valeu George, a idéia aqui é por coisas um pouco mais escrachadas sobre fatos cotidianos como este acima. Grande abraço!

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  3. Parabéns pela observação Fabrício. Pessoas como vc refletindo sobre a realidade do nosso povo, certamente somam no conceito social da nossa naçao tão sofrida.

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  4. É isso aí mãe, e espero cada vez mais um diálogo com a psicologia neste sentido.

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  5. Muito boa e pertinente a sua reflexão.O Brasil não é "is". O que acontece, aqui acontece ali. Somos um povo de muitos gostos mas de quase "mesmo sentimento". Amamos nossa gente, mas em meio a este "amor-projeto", esbarramos com a realidade em cada Casa, cada Rua, cada Bairro, cada Cidade, cada Estado... E assim, este Brasil grandão que não aguenta mais tanta injustiça embalada pelo entretenimento disfarçado em Grandes Causas, se afunila para o mercado Comum Europeu, como tanto outros paises, abusando dos pequenos e fracos, usando os médios e engordando os grandes.
    E nós, Fabrício? Aonde vamos?
    Li seu texto apenas uma vez, mas quero ler mais para refletir o mais específico.
    Obrigada pela permissão.
    Abs
    Rosângela

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