domingo, 14 de junho de 2020

NÃO É HORA DE BAIXAR A GUARDA

Estamos em um momento horrível da pandemia e as projeções não são das melhores. A principal reflexão a se fazer agora é que não devemos baixar a guarda, ou seja, naturalizar a rotina e aos poucos procurarmos voltar a uma normalidade que não existe mais. Depois de várias semanas de pandemia, passamos a perceber as coisas de outra forma. Tudo tem seu lado bom, mesmo estes momentos difíceis. Percebi como a luz do sol, nesta época do ano, bate bonita em nosso quarto, como nunca antes. Podemos nos voltar a nós mesmos e tirar tempo para autoavaliações perdidas na velocidade da rotina, como era antes.

Mas o que fazer quando não se pode parar? Neste momento, os moto boys talvez sejam os principais objetos de análise, os mais simbólicos, sobre a realidade que nos assola, diante da qual precisamos nos adaptar a cada semana. Eles não podem parar, como mais da metade da sociedade brasileira não pode. As classes livres do trabalho indigno precisam entender seu privilégio e ficar em casa, sem ampliar o risco da contaminação.

Mas o que fazer quando se é escravo do trabalho indigno? É compreensível a crença na cloroquina e na definição de gripezinha, quando não se tem o tempo suficiente, na dura e indigna rotina, veloz como um moto boy, para se fazer profundas reflexões ou ler longos debates. Também não dá tempo de saber o que é OMS. A realidade fora da bolha das classes privilegiadas muitas vezes é imcompreensível para estas, mas não para as classes de risco.

Não é possível se preocupar com "não baixar a guarda", quando é preciso se resguardar dos males que precedem o coronavirus, que sempre estiveram lá e que não vão mudar com alguma vacina ou com discussões políticas vagas, mas com mudanças políticas de fato e políticas públicas em favor da dignidade das classes populares no Brasil.

As reaberturas, parciais ou não, realizadas Brasil afora neste exato momento, estão totalmente fora da realidade. Agora seria a hora de reforçar o lockdown no país inteiro. Este fato apenas deixa claro o que o capitalismo e a sociedade de risco realmente são: um sistema econômico e social que garante a segurança material e moral de suas classes privilegiadas com base na exposição ao risco permanente, material e moral, de suas classes populares. A realidade dos moto boys na verdade não mudou muito de uns tempos para cá. Apenas surgiu o risco da contaminação, que não precede seu risco existencial desde sempre. 

Não é preciso baixar a guarda: recado para as classes livres da indignidade. Não é possível levar a sério demais um risco sanitário, que não precede a fome, resposta advinda da realidade popular. O que fazer então? Em um plano analítico, não devemos baixar a guarda na busca por uma análise sensata do momento atual, o que não é facil, pois nossas emoções se alteram em uma rotina um tanto quanto imprevisível.

Nosso esforço político para o Brasil do futuro próximo, pós-pandemia ou talvez convivendo com ela mais do que gostaríamos deve formular uma política sistemática de resguardo da dignidade das classes populares. Para tanto, primeiro, é preciso recuperar e resguardar a própria política das patologias e dos virus que a assolam nestes tempos sombrios.

Vivemos agora um fenômeno de desmoralização e deslegitimação sistemática do campo político, portador de todos os holofotes e reduzido ao princípio da corrupção, enquanto o mercado financeiro é quem dá as verdadeiras cartas neste jogo. Precisamos resgatar e resguardar a política deste lamaçal, e o único caminho democraticamente desejável é o institucional. 

Há de se soerguer um candidato progressista no Brasil para a próxima eleição, que tenha mérito e dignidade para receber o voto da maioria dos brasileiros? Desejo que sim. Este, entretanto, precisará compreender alguns princípios básicos da política, ensinados pelo bom e velho Max Weber. 

Não é suficiente que este candidato ou candidata seja um bom moço ou moça. Também não basta ter um bom padrinho político, campeão em transferência de votos, mas que talvez agora não transfira tanto assim. Também não é tudo ser um grande intelectual, que compreenda o Brasil profundamente, ainda que isto possa ser de fundamental ajuda. 

Ainda assim será preciso compreender profundamente o carisma na política. Lula e Bolsonaro, cada qual a seu jeito, conseguiram prometer ao povo mais humilde o que eles mais precisam: eu vou resguardar vocês de todo o risco, alguém aqui é capaz de não baixar a guarda por vocês. 

Quando a política brasileira for resgatada por um novo político carismático, capaz de cumprir seu papel sem se restringir a fantoche do novo capital, teremos dado o primeiro passo para todo o resto: a elaboração sistemática de um projeto de nação que resguardará os seus mais humildes da patologia que precede o coronavirus: o espectro da indignidade. 

Dedico este texto a todas as amigas e amigos que desejem um debate de verdade, não reduzido às emoções e clichês impostos pelas ilusões da conjuntura. 

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