quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Nova classe no Velho mundo

Recentemente, o sociólogo Jessé Souza, da Universidade Federal de Juiz de Fora, junto com colaboradores, lançou um livro intitulado 'Os Batalhadores Brasileiros - nova classe média ou nova classe trabalhadora, pela editora da UFMG. Nele, os pesquisadores apresentam o resultado de uma pesquisa sobre uma fração crescente da sociedade brasileira, que não é nem a ralé estrutural desempregada, nem a classe média tradicional, ocupada em profissões liberais. Esta fatia da população, heterogenea e crescente nos últimos dez anos no Brasil, já tem sido definida por intelectuais brasileiros como uma 'nova classe média', ou 'classe C', em termos economicos. Após pesquisa realizada nas cinco regiões brasileiras com vários perfis desta parte da população, como feirantes, profissionais do telemarketing, pequenos comerciantes urbanos formais e informais, bem como pequenos produtores rurais, o grupo convencionou definir tal fração social como uma 'nova classe trabalhadora', e chamá-la pelo nome que a própria sociedade a confere, ou seja, como 'batalhadores'.

Estas pessoas se definem por uma ética do trabalho duro e pela origem geralmente de família pobre, com pouco ou nenhum estudo formal, porém portando algum saber prático para o trabalho, geralmente aprendido na família. O discurso liberal na esfera pública brasileira já se apropria do crescimento desta nova classe para legitimar o crescimento economico do Brasil no cenário mundial da última década. Entretanto, a mesma pesquisa mostra que a vida dura levada por tais pessoas, ainda que adiram a certos estilos de vida e consumo típicos de classe média, aponta para uma instabilidade social pouco alterada pelo crescimento economico brasileiro.

Esta nova classe trabalhadora não é homogenea como a antiga classe trabalhadora do fordista, encontrada facilmente dentro das fábricas e indústrias. Atualmente, o capitalismo é cada vez mais informatizado e informalizado, o que faz crescer suas frações fora da fábrica, através da terceirização de mão de obra e da iniciativa de pequenos empreendimentos por parte de batalhadores que apresentam capacidade prática e inteligencia para o trabalho autonomo. A informalidade não é novidade em países da periferia do capitalismo, como Brasil e México. Atualmente, porém, ela cresce em quantidade e em significado. A nova classe trabalhadora é um fenomeno mundial, não apenas periférico, atualmente.

Em Freiburg, cidade pequena do sul da Alemanha, pude ver parte dela principalmente em dezembro, quando é montada uma feira de pequenos comércios no centro da cidade, na qual pode-se ver a produção artesanal e a comercialização de produtos alimentícios diversos, a maioria típicos da região, bem como a produção de artesanatos do vestuário, dentre outros.

Também na Alsácia, território frances, pode-se ver o mesmo fenomeno, em feira um pouco maiores e mais heterogeneas, nas quais os trabalhadores geralmente são famílias que possuem uma íntima relação com seu produto, desde sua origem como sua especificidade. A questão interessante que mereceria uma investigação melhor é em que medida a nova classe trabalhadora no velho mundo difere em qualidade de vida e em estabilidade social e política da nova classe trabalhadora na periferia, cuja citada pesquisa já apontou para uma estabilidade social relativa, em tempos de instabilidade economica, ainda que se celebre o crescimento economico do Brasil como Estado nacional.

Crescimento economico não significa desenvolvimento social, e ainda não é possível afirmar que, mesmo diante do argumento de um certo declínio da economia européia, a qualidade de vida por aqui tenha decaído. A primeira impressão por aqui, que pode estar equivocada, é a de que toda família tem dignidade e qualidade de vida, o que se define por condições básicas de moradia, alimentação e estudos para os filhos, algo que os batalhadores na periferia ainda estão buscando as duras penas. Qualquer comparação do tipo precisa considerar a diferença entre condição economica e qualidade de vida.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Meu casaco de europeu

Num belo dia, vc percebe que não é mais criança. Que seus passos são um pouco mais firmes. Que já não pode ter mais medo de certas coisas. Quando eu visto meu casaco negro, tudo se transforma. Não se brinca com estética no velho mundo. O feminismo causou alguns estragos aqui. Salvo as evidentes transformações na hierarquia entre os generos e a inserção crescente das mulheres em melhores lugares na dimensão da produção, o que resta é estranho.

Como o mundo não é divido em nações, mas em classes, é apenas uma questão de tempo que certos comportamentos pós-vanguarda 68 se tornem padrão em um país como o Brasil. A classe média das grandes capitais brasileiras já se torna suporte deles. As cores cinzentas, típicas de civilizações que vivem a maior parte de seu tempo no frio, como percebeu há tempo Gilberto Freyre, não impede que as pessoas aqui tenham sentimentos e emoções fortes. É possível sentir o calor humano no frio. É preciso se proteger do frio, mas não do calor das pessoas.

Entretanto, todos temos nossas avaliações sobre os outros. Alguns mitos do nacionalismo metodológico dominante nas ciencias sociais começam a cair por terra, quando observamos com calma a rotina e o comportamento do povo alemão. Numa cidade pequena como Freiburg, há pessoas de várias origens culturais. O contato inter cultural inicial suscita algumas questões curiosas. É difícil não ser identificado com o samba quando se diz que se é do Rio de Janeiro. Logo, visto meu casaco de europeu. Eles também sambam, ainda que com muita roupa, e eu gosto de rock.

Outro dia alguém me pediu pra tocar um beatles no violão, e depois 'garota de ipanema'. Fiquei devendo a segunda e não faço questão de pagar. Este nacionalismo não vale a pena. Apenas representa a elite tupiniquim em todo o seu particularismo. Logo, visto meu casaco de europeu.

No contato entre os generos, talvez consigamos enxergar ainda mais certos mitos. A sexualidade brasileira é exaltada como mais despojada e feliz. Prato cheio para o estigma da animalidade. Não é difícil ver por aqui a animalidade humana em sua dimensão mais primitiva, a do amor, em plena evidencia. Entretanto, um dos mitos do nacionalismo nos diz que isso é peculiaridade dos trópicos. Logo, visto meu casaco de europeu.